jair beirola

5.5.05

A festa

Liguei para o Peixoto com a intenção de contar que o trabalho atrasaria em uma semana, por conta do acidente que tive. Ele, como sempre, não me deixou falar:

- Beirola, hoje tem uma festa na casa do meu filho. FAÇO QUESTÃO da sua presença. A Rute te passa os detalhes. Um abraço. - e desligou.

Como a dor já não é intensa, resolvi comparecer. Me divirto com a fauna nesse tipo de evento social. Tirei meu terno mais bonito do armário, modelo com courinho nos cotovelos, tomei dois analgésicos para reforçar e fui à luta.

Na festa, todos os tipos esquisitos que eu imaginava que veria estavam lá. Todos e mais alguns. As madames que erraram a fantasia, pensando ser uma festa de gala, também foram. Gloss, plumas e purpurina para uma festa no loft de um garotão boa vida. Ops. Dei boas risadas internas.

Solicitaram minha presença na cozinha, pois além de foder bem, cozinho bem. A modéstia que vá pro caralho. Sou bom de cama e de mesa.

Mas como ia dizendo, fui convidado a preparar um grude qualquer para os convivas. Fui de patê de atum com azeitonas e milho verde. Preparei também umas caipirinhas de kiwi com saquê. Mais tarde troquei o kiwi por maracujá.

Bebida de macho é limão com pinga, você pode dizer, mas aproveite, ser ignorante, para aprender mais essa. Tome nota.

Saber que tipo de bebida usar de acordo com a ocasião e o tipo de gente presente é uma ótima maneira de você conquistar a simpatia de alguma peteca da festa. Sempre vai ter uma bucetinha elogiando seu drink e é aí que a porta se abre. Fim da aula.

O rack com os CDs do Diego, filho do Peixoto, me surpreendeu. Apesar de usar um cabelo de viadinho, com mechas descoloridas, o moleque tem futuro. Saquei um Grand Funk da prateleira, depois um Jimi Hendrix e aos poucos tomei conta do som da festa, trocando Jotacuesti e quetais por música de verdade.

Rute, mulher do Peixoto, me apresentou quatro ou cinco amigas, duas altamente comestíveis, mas eu não podia esquecer que estava em jejum. Quer dizer, mesmo que eu esquecesse e fosse em frente, o início de ereção estava ali pra lembrar que o meu pau estava convalescendo.

Sim, eu fico de pau duro conversando com mulheres inteligentes.

A festa estava animada, gente simpática, música decente, uma ou outra madame caricata pra temperar e dar a graça da coisa, e por um momento eu pensei que festas da (almost) high society podem, sim, ser divertidas. Pensava nisso quando.

BRUM.

Senti que o porco da feijoada ingerida no almoço não estava se sentindo bem no meu organismo e pedia passagem para o mundo exterior. Neguei.

Fingindo que não era comigo, dei uma volta, bati um papo genérico qualquer, coloquei outro CD pra tocar e sentei num sofá. O porco continuava insistindo. O desgraçado tinha adiantado em umas oito horas o processo correto. Percebi que teria que acabar cedendo aos caprichos do suíno. As convulsões aumentavam. Eu tinha que agir rapidamente.

Mas espera. Eu já disse que a festa foi num apartamento estilo "loft", ou seja, um único cômodo com mezanino, dividido em ambientes abertos. Não tem pra onde correr nem onde se esconder, amizade. Sente o drama.

Vamos em frente.

O porco já começava a arrotar quando bolei um plano rápido. Fiquei aguardando o momento certo para executá-lo. Como esse momento não veio, tomei coragem e entrei no único cômodo protegido por porta da casa: o banheiro.

A idéia era deixar o almoço em poucos segundos, dar a descarga, limpar a ferramenta e sair como se nada tivesse acontecido. No máximo riscar um fósforo para tirar o futum. E foi o que fiz. Ou pelo menos tentei.

Terminado o serviço, subi a calça e fui dar uma conferida na bacia de porcelana. SUSTO. Todos os filhotes ainda estavam lá, rindo da minha cara. Mas um profissional da cagada como eu não se entrega nem se desespera em momentos assim. É isso que nos diferencia dos cagões amadores, como você já sabe. Esperei a "caixa d'água" encher e apertei o botão de descarga novamente.

Nada.

Percebi que aquilo não adiantaria. Todos os submarinos continuavam sua rasa missão ali, me olhando com cara de "bem-feito, se fodeu". Alguém mexeu na maçaneta, querendo entrar. A coisa começava a tomar proporções mais sérias.

Lá fora a festa continuava, o papo animado e tal. Lá dentro eu começava a bolar o plano B.

Em menos de dez segundos pensei em uma dúzia de possibilidades. Procurei um pente, que - por que não? - eu poderia usar como faca, fatiando os biscoitos, o que facilitaria a submersão. Ou poderia ainda deschavar a coisa toda, imaginei. Mas nada de pente.

Um mixer elétrico da Arno seria ótimo naquele momento, mas certamente eu não encontraria nada parecido no banheiro de um loft de solteiro.

Olhei pela janela, aflito. Mas lembrei que ela dava para o corredor, onde alguns convidados conversavam e fumavam (era proibido fumar dentro do apê). Desisti da idéia porque não teria como explicar para a turma o motivo de eu estar pulando a janela do banheiro e indo embora da festa, assim tão de repente. Resolvi abrir a porta. Seja o que Deus quiser, pensei.

Foi aí que deu-se a confusão.

Uma das convidadas, sobrinha do Peixoto, uma simpática moça dona de uma bundinha bem jeitosa, estava apertada e queria usar o banheiro. Obstruí seu caminho, pedi a atenção de todos e dei a fatídica notícia:

- Gente, temos problemas. O banheiro está interditado.

Nos primeiros segundos acharam que eu estava brincando. Infelizmente não estava.

- Deixei uma feijoada do almoço lá e a coisa não quer descer. - expliquei.

Ouviu-se um forte burburinho. O dono da casa apareceu do meio da pequena multidão e não sabia se ficava constrangido, puto ou com pena de mim. Enquanto o aguardava tomar essa decisão, pedi um balde com água.

Foi então que Gabriela, a sobrinha do Peixoto, começou a passar mal:

- Gente, eu tenho alergia de cocô!

E começou a convulsionar, segurando o vômito. Aimeudeus, aimeudeus, o que está acontecendo?, e a moça querendo vomitar, chama o zelador!, e FOI AÍ QUE A FESTA PAROU.

- Eu preciso usar o banheiro! Estou apertada!
- Tudo bem, pode usar. Mas você vai encontrar alguns aliens na bacia...
- NÃO! Eu tenho alergia de cocô! Você não tá me intendêindo! Nem o cheiro eu posso sentir, passo mal mesmo, chego a vomitar.
- Então espera...
- Mas eu estou apertada!

E a porra do balde não chegava nunca e a moça segurando o vômito e a música parou (ou eu deixei de ouví-la, sei lá) e eu estava vendo a hora de um jato de vômito cruzar aquele apartamento e lavar as paredes, móveis e os convidados todos.

A confusão era geral. Muita gente sem saber se ajudava, como ajudava ou se ficava quieta e saía à francesa. Aiaiai, vou vomitar, hugh, hugh, cadê o balde?, acende um fósforo!, aimeudeus!, que porra de alergia é essa que eu nunca ouvi falar?, hugh, hugh, vou vomitar!, cadê a porra do balde?

Finalmente chega o balde.

Achei que ia ser fácil. Enchi o danado na pia da cozinha e entrei no banheiro com um sorriso confiante, deixando atrás de mim uma meia dúzia de curiosos na porta. Despejei a água na privada e já ia acenando para os submarinos quando percebi a manobra traiçoeira deles. Os malditos fingiram que iam mas não foram. Voltaram e ficaram lá me olhando.

Corri para a cozinha novamente - dá licença, dá licença! - e enchi o balde mais uma vez. Despejei a água e... NADA.

Pensei em perguntar se o prédio não dispunha de um hidrante, mas fiquei calado e enchi o balde pela terceira vez. Apertei a descarga e despejei a água de uma vez. As granadas vieram até a bordinha, quase transbordando, como se me ironizassem e me desafiassem, para só então finalmente mergulharem na escuridão. Por garantia enchi o balde mais uma vez e despejei na louça novamente. Não podia correr o risco de deixar um tolete saudoso voltar pra dizer oi.

Lá fora a confusão era imensa. O jato de vômito parecia iminente. Solicitei calma e avisei que o problema estava quase resolvido.

Joguei um pouco de sabonete líquido na privada, acendi dois fósforos e dei duas espirradas de um perfume que o dono da casa mantinha numa prateleira dentro do banheiro.

Pronto, missão cumprida. A festa já podia continuar.

Abri uma cerveja e relaxei. A gente conversava sobre o que mesmo?